Professora, pedagoga, especialista em Psicopedagogia Clínica e Escolar, Marléa Ramos Alves é uma entusiasta da educação e tem se dedicado à qualidade e gestão escolar. Secretária Municipal de Educação de Caxias do Sul de 2013 a 2016, Marléa tornou-se consultora de políticas públicas e pedagógicas da Fundação Lemman.
Atualmente cursando MBA em Gestão Escolar pela Universidade de São Paulo (USP), a educadora avalia com exclusividade para o ControlMais os desafios da educação brasileira no pós-pandemia e aponta alternativas para a qualificação da gestão escolar.
ControlMais – Qual o diagnóstico do atraso na educação brasileira?
Marléa Ramos Alves – Em linhas gerais, os resultados de pesquisas expressam que o Brasil não vivia, pré-pandemia, um cenário de “terra arrasada” na educação. Os desafios de aprendizagem eram muito grandes, mas apontamos uma certa evolução, principalmente no Ensino Fundamental, mais significativa nos anos iniciais (1º ao 5º ano). Porém, convivíamos com diversos e complexos desafios antes da pandemia da Covid-19. A formulação de estratégias para superá-los, serão ainda mais necessários no contexto pós-pandemia.
Os números oficiais primários disponíveis, como os produzidos pelo IBGE ou Censo Escolar, e pesquisas realizadas por fundações e institutos trazem consequências desastrosas a partir do fechamento das escolas. Não temos como dimensionar, por completo, os efeitos globais provocados pela adoção (ainda que precária) das soluções de ensino remoto ou, principalmente, os prejuízos para as camadas mais vulneráveis da população, que sequer tiveram acesso às aulas virtuais. Porém, é consenso entre os especialistas que os danos serão profundos e duradouros.
O Brasil é um dos países que mais tempo permaneceram com escolas totalmente fechadas. Um levantamento internacional da Unesco mostrou que as escolas estiveram sem aulas presenciais por aproximadamente dois terços do ano letivo de 2020, em função da pandemia, com uma média de 29 semanas. Em 20221, a média foi de 21 semanas, considerando que mesmo com o retorno das aulas, estas ocorreram de forma híbrida intercalada – metade dos alunos em uma semana, enquanto a outra metade permanecia em casa.
Isto posto, temos o grande desafio de recuperar o que já estava, antes da pandemia, em situação precária. A educação brasileira já estava exigindo uma reestruturação urgente e, agora, o atraso da aprendizagem de nossos estudantes está sendo calculado como irreversível por algumas décadas. O Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2021 confirma: Os primeiros alertas chegam por estudos e pesquisas desenvolvidos por agências intergovernamentais, governos estaduais e organizações sociais. Um estudo recente, produzido pelo Instituto Unibanco, em parceria com o Insper, e liderado pelo economista Ricardo Paes de Barros, estima fortes defasagens em Matemática e em Língua Portuguesa, devido a menor aprendizagem nas atividades remotas, em relação às presenciais. Já o Unicef prevê o risco de o Brasil regredir duas décadas no acesso de meninas e meninos à Educação.”
A pandemia chegou em um momento em que o País rediscutia sua base curricular, a estrutura do Ensino Médio, as fontes de financiamento e uma série de desafios já muito urgentes.
ControMais – Como reduzir as desigualdades educacionais do Brasil de hoje?
Marléa Ramos Alves – O mais lógico seria cumprir o que já está disposto no Plano Nacional de Educação e nos planos estaduais e municipais, e implementar a Base Nacional Comum Curricular, o novo Fundeb, que é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. A legislação educacional brasileira é bastante robusta. Com a criação do Sistema Nacional de Educação (SNE), o “alinhamento e harmonia entre as políticas, programas e ações das diferentes esferas governamentais na área da educação deverá ser estabelecido”. O objetivo principal do SNE será “a cooperação e a colaboração em matéria educacional entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios”, conforme determina a Constituição de 1988. A Carta Magna prevê que os três entes “organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”, no entanto, carece instrumentalização de como devem trabalhar em conjunto – essa é a lacuna que o projeto ataca. Veja mais em https://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2022/03/10/
ControlMais – Gestão por resultados: é possível na educação brasileira?
Marléa Ramos Alves – Sim, é possível e já temos cases de sucesso e que mudaram totalmente os indicadores de alguns municípios e estados. Apoiados, geralmente, pelo Terceiro Setor, municípios e estados iniciaram a construção de políticas locais, partindo de instrumentos de avaliação e, a partir da análise de resultados, elaboram propostas de intervenções pedagógicas considerando o nível de aprendizagem dos alunos. Para isto, consideram algumas premissas para organizar a nova política: Avaliação- Formação Continuada dos Professores – Currículo.
Cada uma destas premissas é carregada de preditores que possibilitam o monitoramento da implementação com metas estabelecidas pelas redes e, em cascata, pelas escolas locais. Não é fácil a sua implementação, mas, sim, é possível. Podemos citar o estado do Ceará e seus municípios, com um regime de colaboração que fortalece o envolvimento dos atores educacionais. Temos ainda o exemplo do estado de Pernambuco como referência na proposta do Ensino Médio e, atualmente, na capital, Recife, iniciou-se o trabalho de construção e implementação de políticas locais, destacando a política de alfabetização.
Infelizmente, o Rio Grande do Sul, nas escolas da rede estadual, não consegue alavancar propostas de melhorias. Temos algumas “ilhas” de destaque em alguns municípios menores, como Picada Café, que apresentam indicadores de aprendizagem elevados.
ControlMais – O principal problema da educação é a falta de recursos, ou existem outras razões mais evidentes?
Marléa Ramos Alves – O Novo Fundeb vai atender a uma demanda financeira que, certamente, atuará em muito na qualificação dos recursos humanos e melhoria nos investimentos em outros insumos necessários a uma educação de qualidade, atrelando, inclusive, resultados e melhorias nos indicadores educacionais a uma maior distribuição de recursos. Por outro lado, a lei do ICMS vai trazer dificuldades, principalmente aos municípios, para o cumprimento das novas normas.
Especificamente em relação à questão, quando temos gestores preparados – e a isto refiro-me à gestão planejada a partir de dados, existe a possibilidade de gerenciar os recursos disponíveis de forma a atender prioridades.
Podemos definir outras razões para a demora em termos uma educação de qualidade para todos. E aqui não apenas a educação pública, porque a educação privada no País também não é de excelência; apenas é melhor do que a pública.
Um dos problemas é a formação inicial dos profissionais da educação. O nível de exigência nos cursos de licenciatura e a abrangência dos campos de conhecimentos, relativos ao desempenho da profissão, são limitantes. Como, em geral, o professor não tem o hábito de continuar se aperfeiçoando, esta formação continuada também é precária e, quando oferecida pelas mantenedoras, não são bem vistas pelos profissionais ou não são adequadas, pois não se baseiam em dados. Na educação pública, o ingresso por concurso e sua estabilidade também podem ser fatores limitantes.
A sucessiva descontinuidade de políticas, que se alternam a cada novo governo, quando a educação é um processo que requer tempo, diagnóstico e avaliação, formação continuada, planejamento, intersetorialidade, entre outras ações organizadas, também é um problema.
Outro problema é a fragilidade dos órgãos educacionais institucionalizados pela interferência político-partidária. Faz-se urgente a blindagem das Secretarias de Educação e Ministério da Educação contra as pressões de alguns políticos.
Esperamos que a criação do SNE, alivie, também a pressão e organize estas diretrizes legais para que sejam cumpridas na sua íntegra
ControlMais – O que fazer para que professores e alunos mantenham-se motivados no ambiente escolar?
Marléa Ramos Alves – Existem propostas de parcerias com outros atores educacionais para atividades em contraturno (exemplo, o Sistema S) e que estão atraindo principalmente os adolescentes para uma nova forma de estudar. Mudar a ocupação de espaços na escola e trazer o aluno para resolução de problemas (modelo Singapura), em que ele possa alicar a sua aprendizagem também é uma possibilidade.
Quanto aos professores, muitos sistemas estão se utilizando de bonificação para melhores resultados. A maioria dos municípios cearenses – e próximo a nós o município de Joinville, entre outros, são um exemplo. Para bonificar, é necessário oferecer formação continuada para que o profissional possa estar atualizado e preparado para mudar sua prática docente. Utilizar-se das atribuições esperadas do professor e realizar avaliações de desempenho que permitirão, além do acesso a bonificação, uma escalada na carreira, também são alternativas
ControlMais – Qual é o maior desafio que o sistema educacional de hoje enfrenta?
Marléa Ramos Alves – O maior desafio é, sem dúvida, recompor a aprendizagem dos anos pandêmicos. Contudo, não se pode esquecer que a educação brasileira já estava na UTI.
Outro aspecto desafiador é a qualificação da gestão escolar que passa, inicialmente, pela definição de critérios para escolha do “diretor escolar”. Atualmente, a maioria dos sistemas de ensino ou elege diretamente (por voto) ou indica politicamente o diretor. Pesquisas apontam que ambas as formas não alcançam bons resultados de gestão.
Então, não podemos ficar justificando o atraso nas ações em função da pandemia. Precisamos enfrentar e buscar alternativas.
Falando em qualificação, uma discussão recorrente é a formação inicial do professor (Ensino Superior), que tem uma matriz ultrapassada e que traz consigo uma resistência por parte das universidades em promover as mudanças necessárias. Os cursos de licenciatura estão muito desatualizados.
ControlMais – Que soluções seriam viáveis para melhorar a educação básica?
Marléa Ramos Alves – Mobilizar vários atores em um pacto nacional pela educação; encontrar nos territórios municipais parceiros que possam investir em propostas viáveis de implementação; e convocar os sindicatos (parte mais resistente) para um diálogo de sensibilização e motivação. Talvez uma ideia um tanto utópica, mas sem a união de diferentes segmentos, para que se cumpra o disposto nas normativas, não avançaremos.