ARTIGO | Silvana Boone*
Volta e meia eu releio os textos que publiquei anteriormente na ACONTECE, a fim de lembrar o que já esteve em evidência por aqui e para reforçar questões da arte que foram, são e serão sempre importantes no contexto cultural de Caxias do Sul. Desta vez, cruzei meu olhar com o último texto de 2018, quase cinco anos atrás, em que eu incluía a MAESA nos meus desejos de Natal, fazendo um pedido especial ao bom velhinho, para que ajudasse a cidade a perceber a importância daquele espaço como uma possível incubadora de ações culturais, de arte, de lazer e de convivência comunitária.
De lá para cá já se foram quatro natais e acho que minha cartinha se perdeu em meio a tantos pedidos, mas não por ser menos importante, mas é porque eu acredito que para pedidos em que recorremos à fantasia de forças superiores (incluindo o Papai Noel) é necessário a vontade de fazer acontecer no plano real, em diferentes instâncias, e nesse caso, principalmente, a instância pública.
Ao adentrarmos a metade do ano de 2023, o projeto parece estar dado como definitivo pelo poder público via gestão municipal, mas parte da população, atenta a tais movimentos, questiona-se sobre a condução que foi dada a um sonho de uma cidade inteira: qual o sentido em tornar um patrimônio histórico doado ao município em uma estrutura majoritariamente privada e comercial? Agentes da cultura, da arte, do ensino e da população em geral, conscientes de que a cultura faz um povo crescer, manifestam contrariedade em transformar um prédio simbólico em um empreendimento que se distancia do debate histórico de ocupação da MAESA. Para a antiga “Capital da Cultura”, destinar uma parcela insignificante da estrutura faraônica de tijolos vermelhos para a arte e todas as suas manifestações denota indiferença para com o público a quem a MAESA deve se destinar: nós, o povo.
O quanto a arte e as manifestações culturais importam para Caxias? No atual plano de ocupação da MAESA fica claro que os espaços dedicados às artes são deficitários para os seus mais de quinhentos mil habitantes. Queremos mercado público, teatro, salas multiuso, mas queremos espaços expositivos para os artistas: galerias de Arte e um tão esperado Museu de Arte que possa abrigar o Acervo Municipal de Artes Plásticas, o AMARP, que conserva uma parte importante da arte local, desde o seu início, como Pinacoteca Aldo Locatelli.
A MAESA, como espaço cultural deveria conectar as diversas manifestações artísticas com as ações cotidianas das pessoas. No mundo inteiro, prédios antigos transformaram-se em referência de circulação pública e de retorno financeiro também: antigas fábricas tornam-se mercados gastronômicos, feiras, espaços culturais e artísticos, em cidades como São Paulo, Buenos Aires e Nova York, locais onde os caxienses adoram visitar quando podem, e recomendam. Mas quando temos a oportunidade de fazer o mesmo, demonstramos uma incapacidade administrativa de tornar real um projeto idealizado e desenhado a tantas mãos, em tantos anos e agora, ignorado.
Não se questiona a proposta do complexo MAESA ser uma parceria público-privada, ao contrário, é mais do que necessária essa parceria, desde que o maior ganho não seja financeiro para uns ou outros, mas que atenda a cultura e coletividade. E onde há interesse pela coletividade, obras público-privadas fazem a economia criativa prosperar.
Caxias do Sul pode ter e dar muito ao seu povo, e pode transformar uma antiga fábrica de talheres – que tanto fez por Caxias – numa nova fábrica de sonhos, porque a arte sonha com um mundo melhor. O sonho existe, mas o plano de ocupação atual tem demonstrado ser um verdadeiro pesadelo. Então… já preparando outra cartinha para o próximo Natal!
* Doutora em Artes Visuais – História, teoria e Crítica (PPGAVI-UFRGS), Mestre em Comunicação e Semiótica (PUCSP), Especialista em Artes Visuais (UCS) e Licenciada em Educação Artística(UCS) é professora na Universidade de Caxias do Sul e atua como pesquisadora, curadora e crítica de arte.
** Artigo originalmente publicado na Revista Acontece – Junho 2023
*** Convidada da diretoria departamental de Cultura e Educação da CIC Caxias
Imagem: Ricardo Rocha/Unsplash