ENTREVISTA
Convidado palestrante de edição da RA CIC Caxias nesse mês de junho, em Caxias do Sul – RS, o administrador Joaquim Leite, ex-ministro do Meio Ambiente (2021-2022), debateu o mercado do carbono e a nova economia verde global na sua apresentação.
No gancho do tema, e com exclusividade para o ControlMais, Leite detalhou sobre o novo modelo econômico que tem como objetivo principal a promoção do crescimento econômico, com base no bem-estar social e na redução dos impactos ao meio ambiente. Assunto que permeia as rodas de conversas de empresas preocupadas com o planeta e comprometidas na efetivação de boas práticas sustentáveis, garantindo ainda diferencial competitivo.
Na entrevista o ex-ministro reforçou o potencial do Brasil para liderar o mercado de carbono, um feito que faz do país referência nessa área na América Latina, tal qual afirmou na RA CIC.
Confira os principais trechos da conversa que ainda faz referência ao Acordo Climático de Glasgow.
ControlMais – O que caracteriza a economia verde?
Joaquim Leite – Uma nova economia verde surge quando reúne todos os atributos que estejam ligados ao meio ambiente numa atividade econômica. Por exemplo, emissões de gás de efeito estufa (que é a tonelada de carbono equivalente); a proteção da biodiversidade; a redução de metano, que é um desafio global, e está muito ligada a tratamento de resíduos orgânicos no Brasil, tanto no campo quanto na cidade; quando há proteção dos rios no sentido de poluição plástica e redução da poluição do ar. Então, todos são atributos conectados à economia. E toda vez que se tem esse indicador de impacto positivo, se está criando uma nova economia verde e acelerando a nova economia verde.
ControlMais – Qual é a proposta da economia verde?
Joaquim Leite – É a de que as atividades econômicas sejam positivas para o meio ambiente. Quando você monitora tudo isso, você pode estar falando de reciclagem, então eu tenho um processo industrial aonde eu uso materiais recicláveis. Significa que eu estou utilizando de forma eficiente os recursos naturais, uma vez que você pode pegar minerais e reutilizá-los. Então isso faz com que a gente tenha uma economia circular com muito menos impacto para o meio ambiente. E o ideal é que se faça esse caminho positivo para o meio ambiente durante o seu processo econômico.
ControlMais – Quais grupos da sociedade precisam estar conectados nessa proposta para que a economia verde aconteça?
Joaquim Leite – Para essa nova economia verde pegar escala, é o setor privado. Sem o setor privado você não cria escala, que é necessária para essa economia acontecer. Na minha visão, o setor privado é o principal grupo para acelerar esse modelo econômico. É diferente de falar de ações pontuais em algumas regiões, que também são importantes. Mas para escalar uma nova economia verde neutra em emissões, que proteja a biodiversidade, que reduza a poluição do ar, que reduza a poluição do mar, a atividade privada, com certeza, é a grande responsável.
E o consumidor. Que também precisa ter a responsabilidade na hora de adquirir um produto, saber seu processo de concepção, as características em relação ao meio ambiente e o descarte adequado.
ControlMais – Qual a contribuição das empresas e da sociedade civil nesse objetivo?
Joaquim Leite – A sociedade civil tem que ajudar a trazer essa consciência da importância de uma nova economia verde e o setor privado tem que acelerar a economia. Com esse resultado econômico se consegue transitar para uma economia verde global. O Brasil já tem uma economia verde bastante robusta. A matriz energética e a matriz elétrica brasileira são exemplos para o mundo. Precisamos aproveitar esse potencial e acelerá-la com a nossa matriz energética e matriz elétrica bastante renovável. Porém, ter o cuidado nessa transição global de não gerar inflação verde, mas fomentar e desenvolver soluções climáticas lucrativas. E esse ganho que me refiro é paras as pessoas, para a natureza e para os empresários. Isso tem que acontecer de forma conjunta.
ControlMais – No processo da economia verde o Brasil se encontra em que patamar?
Joaquim Leite – Se tratando de diversidade biológica, o Brasil é o país mais biodiverso com praticamente 10% da biodiversidade global. Nossa fauna e flora é composta de um milhão e quatrocentas mil espécies; 66% de seu território é protegido com floresta nativa e a Amazônia tem 84% da área protegida.
Já na questão de poluição do ar, as grandes cidades brasileiras não são poluídas, porque nós temos um programa de biocombustíveis relevante. São Paulo é considerada a quinta maior cidade do mundo e ocupa posição 74ª no ranking de poluição do ar. Então, poluição do ar não vejo como tema aqui no Brasil. Ao contrário de saneamento, que apesar do sucesso do Campo Limpo com 84% de embalagens retornadas, há muito resíduo e lixo sendo destinado incorretamente. É um desafio e o Brasil ainda tem muito a fazer nessa agenda.
ControlMais – Atingiremos os objetivos propostos no novo acordo climático?
Joaquim Leite – Alguns objetivos o Brasil já tem. Como o da biodiversidade, com um volume de área protegida bastante relevante, tanto em ecossistema terrestre quanto marinho.
Do outro lado, em relação ao metano, o país tem toda a capacidade de reduzir a emissão só tratando seu lixo. Um e meio a 2% do lixo orgânico no Brasil é tratado para se transformar em biometano, em bioenergia. Isso é uma oportunidade que vai acontecer e vai tomar escala. Em relação às emissões, penso que o Brasil está num caminho da redução porque ele já tem uma matriz energética bastante limpa e não para de aumentar os projetos de energia eólica. Como exemplo, foi record de instalação de eólico solar nos últimos anos. Temos aí um futuro promissor nesse tema. Também contamos com um índice baixo de poluição do ar em relação a outros países, o qual também faz parte do compromisso global. E reforço, o nosso grande desafio é a questão saneamento e tratamento de lixo e resíduo. Mas precisamos caminhar nessa direção para atingir essa meta.
ControlMais – Quais os riscos e as oportunidades do mercado do carbono?
Joaquim Leite – No governo brasileiro, enquanto ministro tive a honra de ser chefe da delegação em 2021, quando nós criamos o mercado global de carbono. Justamente por entender que o Brasil tem uma oportunidade de ser um grande exportador de carbono no mundo. Provavelmente 25% do carbono no mundo utilizado para compensação deve vir do Brasil. É um mercado novo, ele nasceu e renasceu, porque já tentou ser realidade com o Protocolo de Kyoto, no Japão, depois com o acordo do clima em Paris e agora, no Pacto de Glasgow renasceu com força porque muitas empresas aderiram a esse compromisso de neutralidade climática até 2050 (Acordo de Carbono Global).
Por essa demanda mundial, que visa a redução de emissões ou compensação de emissões, esse mercado vai acontecer. E acontece para o Brasil como uma oportunidade a partir do momento que a gente pode gerar crédito e acelerar uma economia verde que seria inviável sem a receita extraordinária desse crédito de carbono. E por outro lado pode ser uma ameaça, porque você forçar um mercado regulado mandatório e criar uma agência reguladora e fiscalizadora de gás do efeito estufa, pode virar custo Brasil. E esse é o cuidado que a gente precisa ter.
ControlMais – Em suma, a economia verde é boa. Como retratar o seu impacto na nação?
Joaquim Leite – Se você quiser uma economia verde global venha produzir no Brasil. A menor intensidade de carbono no mundo está no Brasil com uma capacidade de geração de riqueza bastante relevante por características naturais e econômicas. O Brasil tem características naturais que combinadas com características econômicas transformam ele em uma potência e aí provavelmente vai ser a primeira grande economia do mundo positiva para o meio ambiente. Porque ele vai conseguir produzir e ao mesmo tempo proteger essas áreas da biodiversidade, de ecossistemas marinhos. Da para fazer os dois. Se o mundo quiser ser mais verde, que venha produzir no Brasil, o país tem toda a capacidade de mostrar ao mundo que aqui você produz com menos emissões, aqui você produz com proteção do meio ambiente.
ControlMais – O Brasil pode se tornar um exemplo de que é possível alcançar os indicadores ambientais no novo acordo climático a partir dos recursos que tem?
Joaquim Leite – O Brasil tem que unir os dados e fatos e comunicar melhor todos esses indicadores ambientais e mostrar que sim.
Venha produzir aqui, consuma produto brasileiro; provavelmente ele está ajudando a proteger maior área de vegetação nativa do mundo e as pessoas como parte dessa cadeia, também irá proteger consumindo e investindo nos nossos produtos.
Nós temos 280 milhões de hectares protegidos dentro das áreas dos produtores rurais. Só pelo fato, quem consome produto brasileiro com certeza estará ajudando o país, o mundo a ser mais positivo para o meio ambiente.
O que o Brasil precisa fazer é atrelar esses indicadores de impacto positivo e essas características naturais que tem aos produtos, ao seu processo industrial, à atividade industrial, à atividade agrícola para mostrar ao mundo que o Brasil sim, é uma potência em relação aos indicadores ambientais.
Fotos: Júlio Soares/Objetiva